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quinta-feira, 21 de maio de 2015

Mentidero: "Jueves de Resurrección" - Por Duarte Palha

Ilustração: Joaquim Quintella
Texto: Duarte Palha


- Abro esta página de word mas não me abre a mão às palavras. Chegam-me os temas à ideia, mas falham-me as ideias aos temas. O toiro que sai dos chiqueros e eu que não saio de traz do burladero. Toiro em praça, e eu sem capote para lhe abrir. Procuro bandarilheiros que o toquem, burladero a burladero, mas vejo-me só na trincheira.. A escrita tem tanto de partilha como de solidão.

Vem-me aos dedos o agradecimento, sincero, profundo, que tenho guardado ao Ricardo Levesinho e que ainda não saiu das intenções, desde que se despediu de Vila Franca. Sai agora. Obrigado Ricardo! Obrigado por ter devolvido a grandeza e o publico à praça com a qual partilho as raízes, o nome e os gostos. E faça o favor de voltar um dia!

Não se me alarga mais a ideia. Emperra-me a mão. Levanto-me, ligo a televisão, é dia de Vitorinos em Sevilha. Falta pouco mais de uma hora. Entrevista-se Vitorino filho. Gosto de o ouvir. Gosto muito. Fala com os factos, com as razões e sem os dogmas. Como os inteligentes. Como os melhores. Não lhe pesa o apelido ou a história. As fundas, "que, al final, si", o afeitar "que antes quedarse una camada por lidiar" os toiros da ganaderia, os bons e os "muy malos", como os da passada isidrada, assumidos sem desculpas, e entre risos, com a naturalidade e a segurança dos grandes. Dá gosto ouvi-lo e abre o apetite para o que lá vem.

Volto ao texto, computador ao colo, televisão à frente, começa a previa da corrida. Talvez me inspire.

Lembro-me do vídeo. O vídeo do Ricardo Araújo Pereira e do Nuno Markl contra "as touradas". É lixado - a palavra não é bonita, mas é a palavra que me escapa para o teclado e não me sai da cabeça. É lixado alguém que tanto admiramos (e sei que continuarei a admirar o génio inigualável que é o Ricardo Araújo Pereira) atacar assim algo que tanto gostamos. E mentir descaradamente, como fizeram. Estou lixado. E por aqui me acaba a prosa deste assunto. Nem me merece mais atenção,

A corrida já começou e vai andando, "muito obrigado". Com "apuntes". Mas sem levantar a “feria”, que vai moribunda, arrastada por mulillas ao som de silêncios indiferentes. Vai uma feira mansa e “pinchada”. Leva três dias seguidos de "aburrimientoe outro mais de triunfalismo e toureio a cavalo em toiros de corda.

Roda o terceiro da tarde. Boa faena e melhor estocada de Manuel Escribano. A corrida começa a ter um tom mais alegre que o cárdeno dos toiros.

Lembro-me do defeso. Lanço-me à escrita. Abro-lhe o capote. As tentas, as ferras, os treinos de forcados. As tertúlias, os dias de campo, os amigos  A inspiração não dá para mais do que três lances mal rematados. Apago e recolho novamente ao burladero.

Agigantam-se os olés. Pouso os dedos. Toureia Ferrera e soa a música na Maestranza. Levo-me de volta ao ano passado. Deixei a minha sala, o sofá, o computador e a solidão da escrita e da aficion por cabo. Sentei-me outra vez, tal como há um ano, no tendido cinco da praça sevilhana, com cheiro a "puros", olés roucos e a banda, ora suave ora intensa, a tocar nas minhas costas.

Escrevo desenfreadamente, sem teclado, caneta ou bloco. Guardo tudo o que vejo, oiço e sinto e escorrem-me as palavras pela mente. O toureio não é grande, é enorme e devolve-me a inspiração.

As pedras dos assentos estremecem a cada série, a cada remate. O toiro investe como "los buenos" da casa, esquecendo os irmãos de Madrid. O toureio nasce e flui pelos braços, pelas mãos, pelos dedos do matador. 

O toureio nasce e flui pela pele, pelos sentidos e sentimentos, do público, que já não se sabe em Sevilha, em casa ou num sonho sem morada. As musas do toureio descem novamente sobre Ferrera, que a cada muletazo, a cada pincelada, a cada milagre sobre a arena, se reconverte em Deus do temple e do templo sevilhano.e o templo - "roto" como o toureiro - entregue e crente, clama pelo seu salvador. 

 Renasceu a arte, renasceu "la feria", renasceu a inspiração que de toureio se fez escrita. Renasceu Ferrera que a cada abrilada se reinventa. Tudo voltou a ser como deve. Renasceu Sevilha numa quinta-feira improvável, Renasceu Sevilha num Jueves de Resurrección.