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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Entrevista de José Luís Gomes ao Jornal i

 José Luís Gomes "Há forcados que não podem ver os toiros antes. Amedrontam-se"

por Luís Claro, Publicado em 15 de Agosto de 2011


Já pegou centenas de toiros e foi um dos forcados que durante mais tempo esteve no activo - 40 anos. Deixou os toiros há cerca de doze meses e aos 55 anos ainda pegava de caras. Uma vida dedicada às festa brava que lhe deixou muitas "cicatrizes" da pancada que levou dos toiros. Mas o momento mais difícil que enfrentou foi fora da praça, quando viu um dos filhos "às portas da morte" depois de uma pega que correu mal. "Senti a vida a fugir-me. Sofri...", diz José Luís Gomes com a voz embargada e de lágrimas nos olhos. Começou a pegar com 17 anos e liderou o grupo de forcados amadores de Lisboa durante cerca de 20. Actualmente, há mais de 40 grupos de forcados em Portugal e quase mil forcados, que, na sua maioria, são jovens. O i foi conhecer um dos mais conhecidos forcados portugueses.

Para pegar um toiro é mais importante o talento e a técnica ou a força e a capacidade física?

Não podemos pegar os toiros com força, porque a força está do lado deles. Nós temos de ter sangue-frio e temos de ter medo. Para estar na cara de toiro há que ter consciência que temos de ter medo e perceber o toiro. Durante a lide percebemos as suas características, a forma de investir, para onde é que ele gosta de ir, se marra alto ou baixo. E os mais novos têm de se aconselhar com os mais velhos...

Não adianta ter força se não tiver habilidade?

Os toiros pegam-se com técnica.

Com que idade começou a pegar?

Comecei aos 17 anos. O meu pai era matador de toiros, mas eu não tive arte para ser toureiro a pé. Senti-me sempre forcado. Comecei a pegar vacas nas tentas onde o meu pai ia tourear. Um dia houve um amigo que me convidou para ir para o grupo dele e fui experimentar, mas o meu pai não queria. O que ele queria era que eu fosse toureiro.

Tinha mais dignidade ser toureiro a pé?

Ele achava que era um risco grande. Não queria que me aleijasse. Como todos os pais protegia os filhos, mas eu quis ser forcado e entrei para o grupo do Montijo em 1970. Nessa altura o grupo dava-me poucas probabilidades de pegar, porque havia valores maiores do que eu, que estava a começar e só pegava em praças de pouca importância e bezerros. Eu queria mais e um dia fui assistir a um treino dos forcados de Lisboa e houve um forcado que caiu. Eu saltei as tábuas para o ajudar e acabei por pegar o toiro, que veio direito a mim. O Salvação Barreto perguntou "quem é este rapaz" e, nesse mesmo dia, foi pedir ao meu pai para eu ir com o grupo de Lisboa a uma feira a França. Aí dei seis segundas ajudas e fiquei no grupo.

O que é que sentia naqueles segundos em que o toiro arrancava e ia direito a si?

É preciso estar frio e fazer as coisas tecnicamente bem feitas.

Quando as coisas não resultam e o forcado é obrigado a fazer várias tentativas o erro é sempre do forcado?

Não, o toiro pode mostrar uma coisa e ser mentiroso ou pode um forcado pôr um pé em falso e cair. Isto é tudo um momento. Nada vem estudado de casa. Nós sabemos como é que os toiros investem, mas cada pega é uma pega.

Antes da corrida os forcados querem ver os toiros ou preferem vê-los só quando eles entram na praça?

Há forcados que não podem ver os toiros antes. Amedrontam-se. Vai do feitio de cada um. Há forcados que só gostam de pegar o primeiro toiro da corrida. Se pensam que vão pegar o segundo ou o terceiro estão ali num nervoso... E há forcados que não gostam de pegar o primeiro toiro da corrida...

São muito supersticiosos?

Depende da personalidade de cada um. Eu gostei sempre de abrir praça (pegar o primeiro toiro da corrida) para dar o exemplo e dar moral ao grupo.

Foi forcado durante quase 40 anos. Com o tempo e a experiência o medo foi desaparecendo?

Não, o medo controla-se, não temos é pavor. Quando um forcado tem pavor não há nada a fazer e isso nota-se.

Já sentiu isso em alguns forcados?

Já, já senti muita vez.

Mas há forcados que têm pavor antes de entrarem para a praça?

Não é bem pavor. Têm muito medo, mas um medo mais ou menos controlado. Nós somos humanos e há dias - aconteceu comigo algumas vezes - em que não nos apetece. Houve uma ou duas vezes em que eu dizia: "Hoje não me apetece mesmo nada, estou aqui apavorado." Mas depois de nos dizerem "o toiro é para ti" nós transformamo-nos.

E nesse momento perde-se o medo?

O medo existe sempre, mas não se pensa nisso.

Há uma sensação de alívio quando sente que a pega está feita?

Há um descomprimir muito grande. Posso dizer-lhe que é das coisas mais lindas do mundo.

Mas há toiros que não se conseguem pegar ou não?

Não, não há toiros impegáveis.

Mesmo no outro dia vi uma corrida na televisão em que o toiro não foi pegado, porque ninguém conseguiu.

Sei do que está a falar. Se calhar as coisas não foram feitas desde o início.

Quando um forcado sente que naquele momento não está em condições para pegar não pode dizer que não ao cabo do grupo?

Não se deve dizer que não. Só posso falar pelo grupo de Lisboa - quem me dissesse que não nunca mais na vida se fardava.

É uma questão de honra?

Sim, se alguém me fizesse isso só fazia isso uma vez, porque se não queria tinha dito antes. Às vezes diziam-me: "Ando aqui com uma dor na perna. Não me quero fardar." Podia não ter dor nenhuma, mas o coração naquele dia dizia-lhe que não e isso é humano. Isso aconteceu muitas vezes.

Os forcados ganham quanto por cada corrida?

Nós não somos remunerados. O grupo é que recebe, por exemplo, na primeira praça do país - que é o Campo Pequeno - cerca de 1250 euros (um grupo tem mais de 18 elementos).

Isso vai dar quanto por forcado?

Não vai dar nada por forcado. Ainda põem do bolso, porque depois vamos todos jantar e o dinheiro não chega. O dinheiro não chega para o jantar e para o hotel. Nós não nos fardamos dentro dos carros, nem nas casas-de-banho. O forcado é uma figura da festa e tem de ser tratado como tal. E temos sempre um jantar ou uma ceia se a corrida for à noite.

E quem é que paga?

É o grupo e quando o dinheiro não chega é a dividir por todos.

Os forcados chegam a pôr do bolso...

A maior parte das vezes isso acontece. Há corridas em que ganhamos pouco mais de 600 euros. Temos de pagar transporte, o hotel, o jantar...

Acha que é injusto, ou seja, que os forcados deviam receber mais?

Não digo que seja injusto. É o espírito do amador. Nós pegamos toiros em prol da amizade, de umas palmas e de umas flores. Se fossemos remunerados não havia dinheiro que chegasse para pagar a um forcado que fosse para a frente de um toiro.

E estragava esse espírito que existe entre vocês?

Acho que sim. Houve aqui há uns anos forcados profissionais, que pegavam por cem escudos. Se me pagassem sentia um compromisso com o público de ter de pegar o toiro, porque estava a ganhar dinheiro. Estou ali de peito aberto, para pegar o toiro, que é um animal do qual gosto e temos de lhe dar importância. Quando nós não damos importância ao toiro ele apodera--se de nós.

Isso é muito polémico. Vocês dizem que respeitam o toiro mais do que ninguém, mas há muitas pessoas que não compreendem como é que é possível gostar de um animal e, ao mesmo tempo, fazê--lo sofrer. Como é que encara as manifestações à porta da praça?

Hoje em dia já não ligo. São meia dúzia de rapazes. Acho que é um insulto a uma cultura e a quem gosta dos toiros. Chamam--nos assassinos... Eu não ligo, porque eles estão a insultar-me quando me chamam assassino.

Mas admite ou não que o toiro sofre quando está dentro da praça?

O toiro não sofre porque está debaixo daquele stress todo.

Sofre a seguir quando está à espera para ser morto.

Não, isso não é assim. O toiro, se sair daqui entre a uma e as duas da manhã, é morto logo às sete horas. É mentira quando dizem que ele está um ou dois dias para ser morto, nem a nossa Direcção-Geral de Veterinária permitiria isso e há estudos que dizem que o animal não sofre. Nós respeitamos muito o toiro.

Os forcados têm algum seguro?

O grupo de Lisboa tem, mas há grupos que não têm. Em todo o caso não chega. Nós temos um seguro que paga até 3500 euros. Mesmo há pouco tempo um forcado partiu a clavícula e teve de fazer uma operação que lhe custou mais de seis mil euros. E todo o grupo ajudou a pagar. Aí é que se cria o espírito de grupo. E as companhias de seguros estão a tentar desviar-se.

O risco é elevado.

O risco é elevado. Eu compreendo.

Já lhe morreu algum forcado?

No meu tempo não. Infelizmente aconteceu noutros grupos. No meu tempo, um filho meu esteve às portas da morte. Foi em 2003. Fez quatro operações muito complicadas, esteve duas vezes do lado de lá...

Estava na praça quando isso aconteceu?

Estava, fui eu que o mandei para o toiro. Aliás, mandei um outro forcado à cara. O toiro atirou com esse forcado para o hospital e foi o meu filho que veio dizer-me: "Pai, deixa-me lá ir." E o toiro mete-lhe cara, atira com os ajudas para o chão e prega com ele contra um estribo. Fez-lhe a fractura e o esmagamento do fígado e teve uma hemorragia interna muito grande...

E o que é que um pai sente nesse momento?

Senti a vida a fugir-me. Sofri... mas passou (voz embargada).

Nessa altura apeteceu-lhe desistir?

Não, até pelo contrário. Eu tinha de ser frio e tinha de ser isento. E continuei. Foi assim que apreendi.

Para ser forcado é preciso assumir todos os ricos inerentes a esta actividade, ou seja, assumir que podem morrer dentro da praça?

Até morrer, nós assumimos isso. Aqueles que sentem... Aqueles que não sentem desistem a meio. Tanto que, quando o meu filho saiu do hospital e veio ver uma corrida, eu agarrei no barrete, fui pegar um toiro e brindei-lhe a pega.

E aconselhou-o a desistir ou a voltar a pegar?

Não, não aconselho ninguém. Aí é que nós os testamos. Percebe? Hoje ele é o cabo do grupo de Lisboa e já pegou depois disso contra a vontade do médico, que disse que milagre só houve uma vez.

Há muitos forcados que desistem quando são colhidos?

Não desistem logo, mas alguns vão-se afastando aos poucos. É humano.

Levam à primeira, levam à segunda, mas à terceira...

Enjoam. Por exemplo o meu filho mais velho sentiu aquilo que aconteceu ao irmão, mas depois voltou para o ajudar. Não nos esquecemos, temos isso presente, mas não nos podemos lembrar disso.

Os seus filhos estão todos ligados aos toiros?

Sim. Dois são forcados e um é novilheiro e tenho uma rapariga, que, se fosse homem, era forcado. O que vivemos em nossa casa é o ambiente do toiro, a minha vida profissional está à volta do toiro, é o animal ao qual eu honro todas as minhas preferências. Ou no campo ou na praça.

O forcado leva para o resto da vida as colhidas que sofreu.

Claro que leva. Tenho cicatrizes na cara e na cabeça. Não podem tocar-me na cabeça com mais força....

Como é que as pessoas que conhece encaram o facto de praticar uma actividade que não é muito comum?

Dizem que sou maluco, mas um maluco medido. Não me considero maluco, porque faço as coisas de forma consciente. Agora o que pode haver é um espírito para desafiar o perigo, isso é verdade. Desse espírito nasce a arte de pegar toiros.

Foi muitas vezes para o estrangeiro com os forcados. Qual era a reacção das pessoas que viam, pela primeira vez, uma pega e que não conheciam os forcados?

Ficavam delirantes. Peguei em Macau, na Califórnia, em Atenas... Ficavam doidos com os forcados. Queriam chegar ao pé de nós e apalpar-nos para ver se tínhamos alguma coisa para nos proteger. Não acreditavam que fosse só a farda.

Portugal é o único país onde há forcados.

Há também no México, mas porque a tradição foi levada por portugueses.

Quando não consegue pegar o toiro, um forcado deve dar o lugar a outro ou deve tentar até ao limite das suas forças pegá-lo, mesmo quando já levou muita pancada?

O forcado, a partir de uma determinada altura, já não percebe nada e tem de haver alguém cá fora que o oriente, porque ele pode estar a fazer um erro muito grande e com a cabeça quente não perceber isso.

E nesse momento vale mais substituí-lo?

Substituir só se ele se lesionar. É uma questão de honra. Eu mando um forcado à cara de um toiro e seria desrespeitá-lo se o chamasse à trincheira para dizer: "Agora vai lá outro." Mas há forcados que fingem que estão aleijados. Já não são capazes, já não têm coração para ir lá e são grandes forcados.

Fingem que estão lesionados e não estão?

Isso acontece. Estão apavorados...

E não contraria isso?

Não posso contrariar. Se me dizem que estão aleijados tenho de acreditar. Por isso é que o cabo (líder do grupo) tem de dar o exemplo, para ter autoridade nesses momentos. Por exemplo com o meu filho Pedro não me apercebi uma vez, em Cascais, que ele tinha a clavícula partida e mandei-o pegar outra vez. Houve pessoas do público contra mim, mas ele pegou o toiro na mesma. Até eles estarem de pé têm de lá ir.

A grande mudança que houve no país com o 25 de Abril teve alguma influência nas corridas de toiros?

Não, nenhuma.

A política nunca se meteu com as touradas?

Não, não tem nada a ver uma coisa com a outra.

Mas as pessoas de direita gostam mais de toiros ou é uma ideia errada?

Não sei. Até lhe posso dizer que uma vez nós fizemos um grupo para ir à Assembleia da República discutir os toiros de morte em Barrancos e o único partido que nos deu abertura foi o PCP. Os da direita esquivaram-se todos, o CDS, o PSD e o PS. Os únicos que nos receberam de braços abertos foram os do Partido Comunista.

Como é que viveu a juventude num grupo dos forcados? É verdade que os forcados andam muito à pancada?

Não. Sempre detestei isso. O que ouvia era que o grupo de Lisboa gostava de andar à porrada mas, quando eu conheci o grupo, o Nuno (Salvação Barreto) não gostava que houvesse pancadaria, porque sempre nos ensinou que ser forcado é uma escola de boas maneiras.

Como é que se divertiam?

Divertiamo-nos a pegar toiros. Era um grupo de amigos e depois das corridas há sempre um jantar.

A amizade é importante?

Tem de ser. A amizade é transportada lá para dentro para darmos a vida pelo companheiro.

Foi forcado quantos anos?

Desde 1970 até ao ano passado.

Contou os toiros que pegou?

Reses bravas contei. À volta de trezentas.

Conheceu o Salvação Barreto, que participo no filme "Quo Vadis". O que é que fazia dele um forcado especial?

Conheci-o ainda era pequeno e ele ainda pegava. Tenho umas imagens dele. Era um forcado bonito a chamar o toiro pela sua figura. Lembro-me dele aqui no Campo Pequeno. Eu era pequeno e vinha com o meu pai tourear e adormecia ali no cimento com cinco ou seis anos. Era um forcado de eleição e um condutor de homens.

Como é que se concilia a vida de forcado com a profissão que cada um tem?

Com muito sacrifício e paixão.

Há compreensão dos empregadores?

Não é fácil, mas quando são aficionados compreendem que isto nos faz felizes. 
 
Foto:D.R.