O sentimento e a razão sempre foram difíceis de conjugar.
Água e azeite, cada um está onde está. Chocalhamos, tentamos misturá-los, mas
voltam sempre e caprichosamente, cada um ao seu lugar, ocupando o sentimento,
na alma, o lugar do azeite - por cima. Por mais que chocalhemos, quem vem ao
cimo da alma é o sentimento. O mesmo não acontece nas palavras. Nas palavras
quem manda é a razão, ficando os imponderados sentimentos subjugados às
ponderadas razões.
Por isso nos é, a nós, aficionados, tão difícil explicar a
afición, o gosto pela “festa”, quando o que nos liga a ela, mais do que razões,
mais do que factos, são sentimentos. A argumentação é sempre enfraquecida pelos
sentimentos. Os sentimentos são invasivos, apoderam-se de nós e raramente os
conseguimos traduzir em palavras:
"- Gosto tanto de ti!
- Porquê?
- Não sei. Porque sim. Por seres como és, e isso chega-me”
Assim mesmo temos vontade de explicar a afición. E por
certo, assim mesmo a deveríamos explicar e assim mesmo seria a explicação mais
verdadeira - “Porque sim”. “Porque sim, não é razão”. Pois não, é sentimento. E
os sentimentos são a verdade da nossa alma.
Os toiros, como gosto de chamar à “festa”, são uma soma de
razões que resultam num sentimento maior do que elas. São arte, são valentia,
são a inteligência sobre a força, são emoção, são medo. Os toiros são tudo isto
e, no entanto, mesmo explicando detalhadamente, não se faz nem um aficionado
com palavras e razões.
Os toiros têm que se sentir. Têm que se ver com os olhos,
com os ouvidos, ver com as mãos, com o corpo todo. Porque os toiros além da
praça são as bancadas. São o público que se levanta e bate palma e o que
protesta e assobia. São o campo e a corrida. São quatro anos antes e são os
jantares depois. São a barreira, a galeria e os bares. Os toiros são isto e são
muito mais. Porque os toiros não se explicam. Sentem-se. E não conseguimos
explicar o que isso é. Somos aficionados porque sim. Porque os toiros são como
são. E isso chega-nos.
Imagem: Joaquim Pedro Quintella