Sevilha chegava sempre que fazia falta. Quando a primavera apertava. No
final
dos primeiros dias de calor, depois dos primeiros dias de praia, se o
calor fosse assim tanto. Nos primeiros fins de tarde com luz, com cervejas em
esplanadas, e levava-nos da luz das esplanadas à luz da Maestranza, em frente à televisão. Chegava
quando nos fazia falta, quando nos sabia bem.
Sevilha vinha quando a fome de toiros apertava. Depois dos meses de erva
rente. Depois da chuva, que nos abrigava a afición em
frente à lareira, em revistas, em livros, em vídeos, em qualquer coisa que nos
matasse a fome, lá vinha Sevilha com erva pela barriga de toiros, de trapío, de figuras, de faenas, de arte. Eram quinze dias que nos
enchiam de toureio.
Sevilha era uma desculpa para estarmos com os amigos, antes, quando o
Canal Plus só chegava a meia
dúzia de cafés, e as corridas eram sempre boas, em orelhas ou conversa.
Escorriam com as cañas, as tapas,
o jamón. Escorriam em gargalhadas e
em assuntos que não eram dali, nem daquela tarde, nem daquele propósito. Eram
simplesmente nossos, dos amigos, e surgiam porque sim, porque era ali
que estávamos.
Então Sevilha começou a chegar por cabo, à casa de vários, à casa de
muitos. Ganharam as sestas, perderam as conversas e a feria deixou
de ser aquilo que era. A fome de toiros estava lá, a praça estava lá, as
figuras estavam lá. Faltavam os amigos, os assuntos paralelos, o jamón e as cañas, mal substituídas por uma cerveja de lata. Passámos a ser
eremitas solitários em frente à televisão. Mais confortáveis, mais atentos, mas
menos alegres, menos aficionados por inteiro, que os toiros nunca foram
solidão.
Hoje Sevilha já não nos chega. Nem aos cafés, nem a casa. Fechou-se aos
olhares distantes e a bolsos que não a possam visitar. A primavera pode
apertar, que o inverno se arrasta até Madrid. Com mais chuva, menos erva. Os
livros e revistas folheiam-se mais vezes, e o bicho da aficion custa mais a alimentar.
Faltam-nos os amigos, as tapas, as orelhas, os sustos. Faltam os toiros e os
fins de tarde. Sevilha já não nos chega, e a falta que Sevilha faz...